quarta-feira, 29 de junho de 2016

Contracorriente


Hoje é dia 29 de junho, dia de São Pedro, feriado, todos os meus amigos estão tomando uma cervecinha essa hora, e eu não estou junto pois: sem granas, e morando no interior. A vida é dura pessoal. Mas enfim, estou em casa e decidi assistir alguns filmes, e como estou tentando aprender/aperfeiçoar meu espanhol, decidi fazer uma lista de filmes latino americanos para assistir no netflix. Não foi meu primeiro contato com filmes latinos, já tive ótimas experiências, mas o filme que eu assisti hoje me deixou muito mexida e motivada a falar sobre, justamente pela coincidência do dia em que resolvi assisti-lo.

Já é dia 29 pois já passa de 00:00, mas ontem, dia 28, foi o dia internacional do orgulho lgbt. A causa é celebrada mundialmente no dia 28 de junho, depois de um episódio de resistência em Nova York, em 1969. No bar Stonewall Inn, ponto gay da cidade, os frequentadores se voltaram contra as frequentes batidas policiais às quais eram submetidos. No ano seguinte, foi organizada a primeira parada gay do mundo, para lembrar do ato.

Por coincidência, o filme que eu resolvi ver foi o peruano Contracorriente (2009), sem ler sinopse nem nada, o que foi até bom, porque a surpresa foi muito melhor. Não costumo falar de filmes aqui porque não entendo muito de cinema, mas eu tinha que falar pra vocês sobre esse que é maravilhoso.

Contracorrente é o primeiro longa-metragem do roteirista e diretor peruano Javier Fuentes-León, é bastante surpreendente. É inesperado, corajoso, e muito bom. A ação se passa num povoado de pescadores no litoral do Peru, uma sociedade de terceiro mundo, latino-americana, pobre, religiosa, e portanto conservadora, apegada a tradições, machista.

Fala de infidelidade conjugal e de homossexualidade. De enfrentamento das regras sociais, de ruptura com os comportamentos esperados, de quebra de tabus.

A trama criada por Javier Fuentes-León tem um pouco de Dona Flor e Seus Dois Maridos: o amante morto do protagonista continua presente, exatamente como Vadinho continuava presente na vida de Flor. Dona Flor, o romance de Jorge Amado, é de 1966.

O maravilhoso é que tudo funciona. É, repito, uma bela história, um bom filme – sensível, honesto, corajoso, bem intencionado, tão correto na moral quanto no talento com que é realizado.

Quando estamos chegando aos 9 minutos de filme, vemos que Miguel e Santiago têm uma relação de amor.

Ainda estamos no princípio da narrativa, e o filme mostra um sexo, bem massa, por sinal, dos dois.

A fotografia do filme é um esplendor. Há paisagens magníficas, realçadas pela fotografia maravlhosa. Há tomadas subaquáticas de qualidade de tirar o chapéu. Mas o que mais impressiona são as atuações. Não há ninguém no elenco com atuação ruim.

O ator que faz o protagonista Miguel, Cristian Mercado, é boliviano, tido, segundo o IMDb, como um dos mais destacados atores de teatro do seu país. Sua filmografia, pequena ainda, com nove títulos.

Manolo Cardona, que faz o forasteiro Santiago, é colombiano; tem 22 títulos no currículo, inclusive diversas minisséries da TV da Colômbia.

A única peruana entre os papéis principais do filme é Tatiana Astengo, que faz (muitíssimo bem) o papel de Mariela, a mulher que o marido trai com outro homem. Tem 27 títulos no currículo.

É a não aceitação do próprio Miguel com sua afeição por Santiago, é a mulher Mariela, grávida, apaixonada, tentando resgatar um casamento sem saber como, é o amor, e a devoção de Miguel pela mulher, o filho e o amante de maneira intensa e o sofrimento justamente por isso, é o medo e a discriminação de amigos, são segredos, religião.

Ciente do suicídio social que seria assumir sua homossexualidade em um ambiente inóspito como aquele, Miguel é obrigado a repensar seu próprio preconceito ("Eu não sou aquilo", afirma ele para Santiago, em certo momento) para resolver a angustiante situação em que se encontra. Assim, é interessante notar que ele só começa a aceitar de fato sua natureza homossexual quando consegue viver sua paixão sem julgamentos externos, o que só é alcançado na interação com o fantasma de Santiago. Mas, nesse ponto, é o pintor quem deseja partir, algo que, somado às fofocas surgidas depois que indícios da relação entre eles foram descobertos na casa do então desaparecido, coloca Miguel em uma encruzilhada que se torna o centro da narrativa (e certamente justifica o título do longa): ou ele vai contra seus sentimentos em prol da manutenção do prestígio social, ou enfrenta suas próprias inseguranças e abraça sua verdadeira natureza para que possa viver plenamente com si mesmo e com a memória de Santiago.

Optar por esta última opção, obviamente, não é uma tarefa fácil, já que o preconceito faz parte do dia-a-dia daquelas pessoas mais do que elas mesmas conseguem notar.

A presença da igreja, além de ressaltar o aspecto conservador da comunidade, surge como uma oportunidade perfeita de alfinetar uma instituição que, ao mesmo tempo que condena a homossexualidade, prega mensagens de aceitação e amor ao próximo. Também não à toa, Miguel utiliza constantemente (não tira nem durante o sexo) um terço pendurado no pescoço, representando sua submissão ao conservadorismo que o cerca - e Fuentes-León demonstra inteligência ao fazer com que o personagem abandone o objeto minutos antes de alterar de vez sua postura.

Por fim, Contracorriente ainda consegue ressaltar que, enquanto uma pessoa não parar de se importar com o que os outros pensam sobre ela, nunca conseguirá ser plenamente feliz e realizada. E, por mais forçada que seja a sutil mudança de comportamento do povo de Cabo Blanco, a mensagem arrematada nos minutos finais é eficiente, contundente e universal: quando se trata de ser humano (um ser sujeito a sofrimentos e imperfeições), a intolerância é nada menos que abominável.

Toda forma de amor deveria ser bem vista aos olhos de todos, o grande foco do preconceito está no fato de que as pessoas não sabem definir o que seja, efetivamente, o amor ou formas de amar. Não há melhor amor, amor mais bonito ou amor mais certo. Apenas amor. O amor não faz distinção entre sexos, condição financeira, raça ou religião. A partir do momento que percebemos que o amor é um só, para todos, começaremos a entender que todos são iguais e tem os mesmos direitos e obrigações.

Meu conselho pra vocês, hoje, é esse, vejam esse filme, e também sejam livres pra amarem do seu jeito é claro.


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