quinta-feira, 26 de maio de 2016

Vamos falar sobre a cultura do estupro?


Todo momento é um bom momento pra se debater sobre esse assunto, mas ESSE momento não poderia ser menos propício.

Todo mundo que tem acesso a internet, facebook, twitter, já sabe que, recentemente, uma moça foi drogada e estuprada por mais de 30 homens, segundo eles mesmos. Como se isso já não fosse um horror por si só, eles ainda a filmaram nua, mostrando suas partes, fazendo piadas com o estado em que a deixaram. Fazendo piada com o número de homens que a estupraram enquanto a mesma estava inconsciente.

Eu tenho uma conta no twitter, e o vídeo apareceu na minha timeline, eu abri, mas confesso que não aguentei ver até o fim, e só fiquei sabendo que tinham sido mais de 30 homens pelos posts que as pessoas, também indignadas, fizeram depois. Queria eu que fosse mentira.

MAIS DE 30 HOMENS.

Foi impossível, eu, como mulher, vulnerável nessa sociedade escrota e patriarcal, não me colocar no lugar dessa menina, foi impossível não chorar ao ver a declaração da mesma dizendo que quando acordou tinham 33 caras em cima dela. Eu não consigo nem imaginar o seu desespero.

A violência contra a mulher é tão naturalizada, que não só a estupraram, também filmaram e postaram na internet, isso quer dizer que, por mais que uma certa maioria tente negar e relativizar isso, NÓS VIVEMOS NA CULTURA DO ESTUPRO, SIM. Isso poderia ter acontecido comigo, com você. Isso não é doença, nem loucura, é a naturalização da perversidade contra nós mulheres. A tolerância e a normalização acabam incentivando ainda mais as atitudes violentas.

E aqui estamos falando do que é aceito como normal pela sociedade. Se você for mulher, tenho toda a certeza de que já passou por ao menos um episódio de abuso, seja na rua recebendo uma cantada, no transporte público com homens encostando em você ou mesmo dentro de um relacionamento quando a outra parte envolvida não soube aceitar um “não”.

Alguns dos comportamentos e atitudes que ajudam a reproduzir a cultura do estupro são:

- Achar que estuprador é só aquele cara desconhecido que ataca uma mulher no meio de uma rua escura, às 2h da madrugada.

- Achar que existe um meio-termo quando se trata de estupro.

- Romantizar a conquista a qualquer preço e achar que um ‘não’ pode significar um ‘sim’ se ele não é dito com ênfase.

- Culpar a vítima e praticar ‘slut-shamming’.

- Cantadas de rua também ajudam a perpetuar a cultura do estupro.

- Dizer que a vítima pode evitar o estupro.

- Roupas e acessórios “anti-estupro”.

- Piadas de estupro.

- Medo de denunciar é algo normal numa sociedade que culpa as vítimas, não acredita nelas ou vê o estupro delas como algo menor, desde a polícia e o médico legista até a família.

- Minimizar quando o estuprador é famoso.

- Minimizar o estupro quando ele acontece com minorias.

- A “Friend Zone” é a ideia de que um “cara legal” possa ser colocado em uma zona de amizade sem sexo por uma mulher próxima que injustamente não percebe que ele é o par romântico perfeito pra ela. A narrativa da friend zone coloca o foco no sexo como uma recompensa por ser uma boa pessoa.

Se homens estupram em nome da sua masculinidade, mulheres são estupradas em nome da sua feminilidade. A mulher, quando nega uma relação sexual, é vista como alguém que provoca o homem, mas na hora H, não quer sexo. E é aí que aparece a culpabilização. As vítimas de estupro aprendem a se sentirem culpadas. “Alguma coisa elas fizeram pra merecer isso”.

O uso da força é o requisito básico do comportamento masculino que as mulheres foram treinadas desde a infância a temer. Desde pequenas, não estamos em pé de igualdade nesta competição. Quem nunca ouviu que “brincar de lutinha é coisa de menino”, por exemplo? Enquanto eles são incentivados a buscar a força física, somos incentivadas a brincar de casinha.

O estupro deve ser visto como uma forma de violência, poder e opressão masculina, uma forma consciente de manter as mulheres em estado de medo e intimidação.

Que fique bem claro então: estupro não é um crime relacionado a sexo ou desejo sexual. O estupro se refere a uma relação de poder: trata-se de um processo de intimidação pelo qual os homens mantêm as mulheres em um estado de medo permanente.

Assim, ao observar a nossa sociedade nos dias de hoje, podemos claramente enxergar como a cultura do estupro continua viva. Hoje a sociedade ainda leva em consideração a maneira como a vítima está vestida e até mesmo sua vida e hábitos. Se a mulher está vestida de forma tida como provocante, isso é considerado um atenuante para o agressor. Se ela tiver vários parceiros, beber demais ou voltar muito tarde para casa, também.

As mulheres vêm obtendo êxito na conquista de certos direitos sociais e progredindo em direção à igualdade de gênero. Mas a desigualdade, no entanto, ainda não foi totalmente ultrapassada, sendo um reflexo da tradição patriarcal da sociedade.

Uma coisa fica nítida: as mulheres não são vistas como seres com vontade própria, são consideradas propriedade dos homens. Cabe às mulheres obedecerem às regras masculinas – ser feminina, falar baixo, aceitar ser vista como objeto sexual pois “homem é assim mesmo”. E quem não aceita as tais “regras masculinas” é culpada por tudo o que lhe vier a acontecer.

Enfim, pra não me alongar mais, a cultura do estupro é uma estrutura onde a mulher é culpada por qualquer constrangimento sexual que venha a passar. Uma sociedade que acha normal uma mulher ser constrangida na rua por uma cantada; normal uma mulher ser estuprada por estar bêbada ou usando roupas curtas; normal uma mulher ser forçada a fazer sexo com o companheiro, afinal, ele é seu marido ou namorado; normal uma mulher ser vista apenas como objeto para satisfazer as vontades alheias; normal uma mulher ser intimidada por homens heterossexuais quando é lésbica, porque na verdade ela tem que aprender a gostar de homem. E é exatamente essa normatização que precisa ser combatida.

Toda a minha empatia para essa moça, as pessoas que fizeram essa barbaridade com ela serão punidas, e eu como mulher me sinto muito aliviada, mas o que ainda me deixa triste é saber que as outras mulheres que são estupradas todos os dias e não são veiculadas na mídia, continuarão com o terror de terem seus estupradores livres e impunes. Por isso, eu imploro para que todas as mulheres se unam. Cuide da sua filha, da sua irmã, amiga, colega de trabalho, da desconhecida que está bêbada em uma festa e que se perdeu. Cuide da mãe que não encontra a filha e está pedindo ajuda. Cuide da sua avó. Cuide da professora que não está ouvindo os absurdos sobre ela durante a aula. Cuide de mim.

Uma jovem foi violentada por 30 homens e eu não pude cuidar dela. Eu não pude proteger o seu corpo e alma. Mas eu posso cuidar de você. E você de mim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário